— Mário de Andrade, Macunaíma
Depois de meses prometendo, finalmente posso falar sobre "Saturno nos Trópicos". Não por preguiça, mas devido a bastantes revestrés na compra, que por si já vale uma história sozinha, enfim. A razão que me fez comprar esse livro foi devido uma citação a ele, em uma conversa na Internet, sobre como a natureza brasileira em si é melancólica, das músicas e literatura. Que a alegria e felicidade brasileira nada mais é que uma propaganda, uma máscara que muitos usam de forma inconsciente. Rir para não chorar.
Em 1621, é lançado na Inglaterra o livro "Anatomia da Melancolia", de Robert Burton — um tratado sobre a obsessão e a constante melancolia que assolava a época. Nada mais justo para o europeu, sobretudo o inglês: povo que conviveu com fomes, guerras e pestes incessantes. A ideia da morte não era apenas a certeza natural de que todos morrem um dia, mas a possibilidade real de morrer a qualquer hora — sem aviso, sem despedida, direto no caixão. E acima de tudo isso, a religião cristã e sua ideia de "mortificação da carne": sofrimento necessário para entrar no céu.
Era a época da teoria dos humores. Os médicos diziam que a bile negra — a atrabílis — era a causa dessa tristeza. Frio e secura (características de cadáveres) eram as condições que geravam melancolia. O corpo humano, segundo eles, possuía quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile negra. Esta última era associada ao outono, a Saturno — o planeta (e deus) mais velho e sombrio.
E a cura prescrita era simples: pegar um sol. Se a bile negra era fria e seca, o calor e a umidade seriam a solução.
A melancolia não era vista como algo necessariamente ruim. Era pensado que ela acometia as grandes almas — os gênios que a humanidade produziu eram considerados melancólicos. Irritadiços, reclusos, introspectivos. Não que ela fosse fortemente combatida; ao contrário, na medida certa era até incentivada. Mas precisava de certos limites. Poderia levar à loucura, ao suicídio e à destruição.
A acedia era o produto final — uma apatia profunda e constante contra si próprio e contra o mundo. Não é estranho conectá-la à depressão moderna. Essa melancolia degenerada era combatida de diferentes lados, principalmente em mosteiros, onde a "preguiça" espiritual não era incomum. Os monges tinham rotinas rígidas justamente para combater essa inércia da alma.
Obviamente que era permitido ser triste, mesmo que você não fosse um dos grandes gênios. Mas havia diferenças importantes. A tristeza, na comunidade cristã, era aceita — produto do "vale de lágrimas" que é a vida terrena. Era uma emoção introspectiva que te levava às profundezas da alma para encontrar consolação em Deus. A acedia, ao contrário, não levava a lugar nenhum. Era vazio. Indiferença.
Mas a melancolia tinha um oposto: a mania. Se a bile negra era fria e lenta, a bile amarela era quente e rápida. Euforia, energia excessiva, impulsividade. Já na época se percebia que não eram condições separadas — eram ciclos. Melancolia profunda seguida de mania desenfreada, que voltava à melancolia. Um balanço doentio entre extremos.
Esse era o extremo da melancolia: a mania — a bile amarela quente. A loucura quando a alma não cria, não pensa, apenas age. Vários exemplos marcaram a Europa: a Dança de São Vito, a mania das tulipas, a época de messias que apareciam e desapareciam. Se a melancolia extrema é destruidora, a fase maníaca é pior. Não é reclusa, não envolve apenas a destruição individual — mas a de coletivos inteiros.
A procura da cura para a melancolia era constante. Recomendações iam de pegar sol a usar especiarias para tirar a comida da insipidez. Um bom vinho para estimular o sangue — já que possui a mesma cor e, pela lógica da época, ajudaria. Até a risada era vista como remédio, mas desencorajada. A gargalhada era considerada zombaria e desprezo por pessoas alheias; se fosse para rir, um sorriso bastava.
Aproveitando-se do gênio criativo melancólico, a imagem de uma utopia era constante. Terras quentes, com fartura de comidas, riquezas, belas mulheres e ausência de trabalho foram, de certa forma, catalisadores das explorações. A busca por El Dorado, as Sete Cidades de Cíbola, as terras de Brazil. Uma busca pelo paraíso na terra.
Por fim, saem em jornada — seja ela por diversos motivos, mas a vontade de estar no paraíso em vida era o sonho dos marinheiros comuns. Colombo era leitor do "Livro das Maravilhas" de Marco Polo, que descrevia esses lugares fantásticos. Em sua terceira viagem, descreveu Hispaniola como o Éden. Não eram incomuns essas comparações: vários locais no Novo Mundo foram chamados de Éden ou outro paraíso, incluindo a região amazônica como o verdadeiro Jardim do Éden, ou uma nova Atlântida.
A América não era apenas a descoberta de novas terras, mas a confirmação de que aquelas lendas, pelo menos superficialmente, eram reais. Que dentro daquele lugar se encontraria a utopia.
O povo português era naturalmente melancólico. Vivia no fim da Europa, de costas para o continente, olhando para um oceano sem fim. À sombra da Espanha — o vizinho poderoso que sempre ameaçava engoli-los.
Mas a melancolia portuguesa era diferente. Tinha nome próprio: saudade. Palavra sem tradução, sentimento sem equivalente. Não era a bile negra pesada dos ingleses — era algo mais líquido, atlântico. Melancolia de quem espera na costa enquanto os homens partem e não voltam.
Portugal mantinha vivo o que o resto da Europa havia esquecido: o espírito das cruzadas. A Ordem de Cristo — herdeira dos Templários — financiava as navegações. Não eram apenas explorações comerciais; eram missões divinas.
Jesus e a pimenta. Fé e lucro. Converter infiéis e enriquecer com especiarias. As caravelas portuguesas cruzaram o Atlântico carregando essas duas promessas nos porões.
Logo que as naus portuguesas chegaram, a melancolia e a mania apareceram ao mesmo tempo. Terras novas, mulheres sem roupas, muitas lendas — mas poucas pás para cavar os tesouros. Por outro lado, a melancolia via do mesmo jeito.
O paraíso não era exatamente aquele prometido. Quente? Sim, mas demais — e úmido. Trabalho? Agora teria mais. Riquezas? Sim, mas estavam lá dentro, escondidas nessas selvas opressivas, repletas de animais. Não os animais míticos que o imaginário europeu esperava dessas terras — pequenos, mas letais. E os anfitriões? Muitas vezes nada receptivos.
Descrever uma melancolia brasileira é difícil. Primeiro porque ela ainda está acontecendo — não é passado fossilizado, é presente vivo. Segundo porque é relativamente recente. Cada nova mexida no tema revela mais camadas. Diferente da Europa, que teve séculos para estudar sua melancolia, o Brasil comprimiu tudo: muitos dos aspectos são repetições aceleradas do que aconteceu na Europa, mas numa velocidade extrema. Além disso, importamos teorias novas nos séculos XIX e XX — determinismos geográficos, raciais — que se somaram ao resto.
Além da saudade e melancolia portuguesas naturais, a frustração por não encontrar nada do que foi prometido. O calor que não curava, mas oprimia. As doenças tropicais. As próprias condições da terra. Tudo isso fez com que esses sentimentos se aflorassem ainda mais.
Mas aconteceu algo interessante na América — e que ainda acontece: a confluência de povos e culturas diferentes, cada um trazendo sua própria melancolia.
Se a situação portuguesa não era boa, a dos outros era pior.
Os africanos que aqui chegaram já vinham de tragédia: prisioneiros de guerra de outras tribos e reinos africanos, vendidos aos portugueses. Atravessavam o Atlântico acorrentados para serem escravos em terra completamente estranha. Língua diferente, clima diferente, deuses diferentes. Melancolia? Não — desespero ontológico. Perda total de mundo.
Os indígenas se viam em encruzilhada impossível: aceitar e desaparecer lentamente, ou lutar e desaparecer rapidamente. Alguns fizeram acordos — que nunca eram cumpridos. Outros lutaram — e foram massacrados. E mesmo os que sobreviveram, as doenças europeias fizeram o resto. Gripe, varíola, sarampo. Como a Peste Negra, mas ao contrário: da Europa para cá. Povos inteiros dizimados. Não em séculos, mas em décadas.
Como na Europa, ciclos de mania e melancolia apareceram aqui — só que comprimidos, acelerados.
Ciclos econômicos: o ouro em Minas Gerais, a borracha na Amazônia. Euforia maníaca, riqueza súbita, cidades erguidas da noite para o dia. Ouro Preto virou cidade fantasma quando o ouro acabou. A borracha na Amazônia? Manaus quis ser Paris — construiu Teatro da Ópera no meio da selva, importou lustres da Europa, pisos de mármore. Óperas italianas no coração da floresta. Mania pura. Quando o ciclo da borracha acabou — asiáticos plantaram seringueira e quebraram o monopólio — ficou o teatro. Vazio. Monumento à euforia que virou ruína.
Ciclos messiânicos: Canudos, Contestado, a Pedra do Reino no sertão. O sebastianismo português — a espera pelo rei D. Sebastião que retornaria para restaurar a ordem — penetrou fundo no Brasil. Canudos foi o sebastianismo encarnado. Antônio Conselheiro pregava no sertão: o rei voltaria, o mundo seria restaurado, os pobres seriam salvos. Milhares seguiram. A República viu ameaça. Mandou quatro expedições militares. Canudos resistiu. Até que não resistiu mais. Massacre. Sobrou o que? Melancolia. Culpa nacional. Euclides da Cunha escrevendo "Os Sertões" para processar o horror.
O padrão se repete. Mania: ouro, borracha, messias, industrialização, Brasília, "país do futuro". Depois: frustração, colapso, massacre, dívida, promessa não cumprida. Melancolia. E então: nova mania. Ciclo doentio, maníaco-depressivo coletivo. O Brasil não aprende — repete.
Assim como Burton na Inglaterra, vários pensadores brasileiros tentaram estudar o fenômeno da melancolia nacional. Entre os séculos XIX e XX houve um grande aumento das inovações científicas — informações chegavam mais rápido do que em séculos anteriores. E a origem da melancolia brasileira foi estudada por essas lentes (pseudo)cientificistas.
Teorias raciais "explicavam" que o mestiço e o mulato — devido à genética — seriam seres "instáveis", inaptos, melancólicos e degenerados. O fato de até brasileiros letrados e de elite propagarem essas ideias mostrava algo pior: a interiorização da inferioridade. Acreditávamos que éramos inferiores. A melancolia vinha também da vergonha de ser brasileiro.
Mas havia resistências a essas teorias. Monteiro Lobato criou o Jeca Tatu — personagem caipira caboclo — inicialmente como símbolo do brasileiro preguiçoso e apático. Mas depois, Lobato percebeu: Jeca Tatu não era melancólico por nascer assim. Era doente. Fruto de abandono, fome, cheio de vermes. Ancilostomose, malária, desnutrição. O que parecia acedia racial era, na verdade, miséria social. Não genética — política.
Falando em personagens literários: você tem Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Tão imerso em melancolia — ou seria acedia? — que até para brincar é incapaz. Preguiçoso, apático, inerte. Mário de Andrade criou não um herói, mas um anti-herói melancólico. Ou pior: acedioso. "Ai, que preguiça!" — a frase que o define.
E tem Policarpo Quaresma, figura perfeita para mostrar os ciclos de mania e melancolia brasileiros. Bem letrado, idealista, patriota fervoroso. Faz planos e mais planos — alguns saem do papel. Mas logo dão errado. Logo se frustra. Ridicularizado pelo próprio povo e pela nação na qual acredita e pela qual luta. No final? Fuzilado. Traído pelo Brasil que amava. Triste fim de quem levou o patriotismo a sério.
São diferentes em certos aspectos, mas iguais em muitos: o abandono brasileiro e a vergonha de se auto impor. Macunaíma não age. Policarpo age e é destruído. Ambos incapazes de se afirmar sem serem punidos — por preguiça ou por traição.
Assim como a melancolia portuguesa é substancialmente diferente do restante da Europa, a brasileira é diferente em vários aspectos da tradicional. Seja pelo "produto do clima", por assim dizer — ora, se o frio recolhe, o calor faz expandir. Não que seja esclarecida. Mas dentro de várias camadas para esconder esses aspectos, surge a máscara.
O Carnaval, por exemplo. Dizem que é o momento do ano para extravasar. Mas extravasar o quê, exatamente?
Extravasar o quê? Se somos naturalmente alegres, por que precisamos de um momento específico para "liberar" alegria? A resposta é óbvia: extravasamos a melancolia que não pode ser sentida o resto do ano. A tristeza que precisa ser negada. O desespero que não tem espaço no "país da alegria". O Carnaval não é celebração — é válvula de escape. Três dias de euforia maníaca para suportar 362 dias de melancolia reprimida.
É o patrão que vira funcionário, o funcionário que vira patrão. O homem que vira mulher, a mulher que vira homem. Essa inversão carnavalesca não é apenas brincadeira — é necessidade. Durante três dias, tudo que é reprimido o ano inteiro pode aparecer. Inclusive, e especialmente, a tristeza que vira alegria. Forçadamente.
Mas me pergunto: seria uma melancolia brasileira? Ou uma acedia brasileira? Uma coisa tão profunda que é necessário disfarçar todo dia para não enfrentar o verdadeiro desespero. "Deixa isso para lá por mais um dia" — e assim sucessivamente. Para sempre.
E se nossas frustrações não viessem do excesso de melancolia, mas de sua ausência verdadeira? Vivemos anestesiados: o clima entorpece o corpo, a melancolia herdada (nunca digerida) entorpece a alma. Entre esses dois entorpecimentos, perdemos a capacidade de sentir fundo — de pensar, criar, acordar de verdade.
Precisamos não de mais otimismo, mas de um choque. Sentir a melancolia sem anestesia, sem máscara, sem carnaval. Só depois desse colapso necessário poderíamos reconstruir algo genuíno.
Mas temos coragem?